19/09/2008

A Difícil Arte do Convívio

Por que será que justo no dia em que se tem uma pá de coisas pra fazer na rua o clima é sempre de extremos? Ou é um sol que racha o coquinho ou uma chuva torrencial como a de hoje (e, claro, BEM na hora que eu saí de casa).

Como saímos da escola com fome, fui com a Yuyu afogar as lombrigas num restaurante popular italiano bem perto de casa, aonde a gente se jogou sem culpa numa carbonara.
Tudo muito bom, tudo muito bem, até perceber que na mesa atrás de mim haviam dois homens brasileiros conversando. Pelo estilo, de cara identifiquei que um deles era pastor (isso mesmo, as igrejas de Edir Macedo e similares pipocam aqui num crescimento apavorante) o que confirmei no estacionamento pelo adesivo "Missão Assembléia de Deus no Japão" colocado no carro.

Como o sofá é daqueles em que o encosto é grudado no encosto do sofá da outra mesa, minhas costas ficaram a menos de meio metro das costas do pastor, e pude ouvir toda a conversa (não que eu quizesse realmente) dos dois.

Primeiro o pastor falou, falou, falou, que eu já tava com vontade de ir embora, imagina a criatura na frente dele. Depois o outro cara, que aparentava uns 25 anos, argumentou.
Pude perceber que o motivo do aconselhamento era conjugal, e dentre tantas coisas ditas, ficou muito claro que o casamento do moço estava a banca rota pela seguinte frase dele:

- Eu to fazendo hora extra ela pensa que to na gandaia, eu to em casa e a gente não troca nem um oi, quem dirá carinho....

É incrível o número absurdo de pessoas que se separam no Japão. Quando eu cheguei aqui, no primeiro dia conhecemos uma família que nos mostrou tudo que precisávamos saber para não nos perdermos ou termos uma crise (histérica) de identidade. Dentre essas coisas, duas chamaram a atenção: Uma, era sobre os terremotos e a outra era sobre manter o casamento.
E isso faz 6 anos. E os mesmos conselhos são repassados até hoje.

A vida aqui é massante e os raros momentos de lazer, tirando parques públicos, custam caro. Fora isso, muitos se deslumbram com o dinheiro fácil e com facilidades como poder comprar um carro usado com apenas um mês de salário. Alguns sofrem com a alternância dos turnos de trabalho do tipo, enquanto o marido tá dormindo a mulher tá trabalhando e vice versa.
Outros se perdem no vício das famijeradas caça níqueis, amplamente difundidas aqui e chamadas de pachinko, e nessa acabam perdendo a família, o emprego e a dignidade. Outra coisa também que chama muito a atenção por aqui é o aumento do individualismo, que na maioria das vezes é o criador do abismo conjugal.

Juntando tudo isso e mais um monte de outras coisas, os casamentos aqui se fragilizam, e muitos, não agüentam a esse turbilhão e se destroem sem direito a recompor os cacos.
É triste, mas é real. Dificilmente se encontra um casal que nunca tenha tido uma crise braba em terras nipônicas.

A maneira com que o casal tratará essa crise é que definirá se o casamento moribundo tem salvação ou se vai a sete palmos nos próximos capítulos. Sabemos que é chover no molhado dizer que diálogo é fundamental para o bom entrosamento do casal, que só o amor contrói e que há de se ceder igualmente para que o convívio seje harmonioso e tralálá com bolinhas.
Mesmo assim, na hora da crise, ninguém lembra nada disso, e muitas vezes as mágoas acumuladas são tantas, que o orgulho impede qualquer possibilidade de acordo ou de trégua.

Conheço muitos que se perderam na estrada e resolveram seguir o rumo sozinhos ou com outro parceiro. Alguns vão embora pro Brasil, outros arranjam companhia e constituem novas famílias, torcendo para que essa dê certo e não bailem na curva novamente.

Admiro os que tentam. De novo, de novo e de novo. Lutam pelas mais diversas causas: ou por que acreditam no amor, ou por que não admitem o fracasso, ou pelos filhos pequenos...
Mas há os que insistem só por comodismo ou pelo eterno medo de ficar sozinho.

Cada um sabe o seu tempo, o seu sentimento e a sua urgência. Mas de vez em quando é bom olhar dentro de si para ver se o amor ainda vale a pena ou se tá na hora de ver outras paisagens, por que só o amor constrói, mas o Japão destrói; e nesse entrevero, dê-lhe trabalho para os pastores espalhados pelo arquipélago afora.

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